sábado, 11 de fevereiro de 2017

E a comida, senhor doutor?




Impressiona-me a indiferença relativa à dieta de todos os oncologistas por que fui atendida (no hospital público foram seis consultas/seis internos durante a quimioterapia) e dos próprios hospitais ou secções de oncologia, que não têm qualquer tipo de aconselhamento sobre este assunto. Apenas uma médica, num hospital privado, me fez uma referência alimentar: disse-me para não comer soja.
Este ignorar do papel que a dieta tem no cancro apesar dos inúmeros estudos científicos que demonstram uma relação, é incompreensível.
Ontem vi na SIC uma excelente reportagem sobre o excesso de açúcar e as doenças que provoca nas crianças. É pena não se ter visto este tipo de informação nos media há dez ou quinze anos, uma vez que não se trata de nada de novo. Tinha-se evitado tantos casos de obesidade, diabetes, doenças coronárias, cancro.
Porém, nessa altura, a atitude era a aceitação da obesidade - os gordos também têm direitos, as gordas são giras, a Popota é que é boa, etc. Finalmente, e ao fim deste tempo todo de excessos consumistas, a gordura é vista como aquilo que é: uma doença. E o açúcar é criminalizado.
Compete ao médico dizer aos pais que não dêem açúcar às crianças e ensinar onde ele se encontra encoberto (Coca-Cola, Ice Tea, sumos de pacote, lasanha, pizza, cereais de pequeno almoço)? Ou o clínico está lá só para receitar os medicamentos para a diabetes, feito o estrago? O mesmo se aplica ao cancro: preveni-lo através de uma educação alimentar ou apenas tratá-lo quando instalado? Não deveriam instituições como o IPO ou a Fundação Champalimaud, por exemplo, apostar na informação dietética generalizada, de forma a que chegasse a todos, sobretudo aos menos instruídos?
Isto porque, quer os senhores doutores queiram, quer não, há alimentos que estão intimamente ligados ao cancro e à sua recorrência e outros à sua cura. Há inclusive alimentos que são adjuvantes de terapias clássicas como a radioterapia e ou a terapia anti-hormonal.
Parece haver hoje muitos médicos que para além de se terem gananciosamente esquecido do juramento de Hipócrates, ignoram uma das suas citações mais conhecidas: «Que a comida seja a tua medicina e que a tua medicina seja a tua comida».

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Jogos de azar



Às vezes do tratamento do cancro parece a lotaria ou jogo de sorte e azar. Os médicos invocam a ciência mas depois desculpam-se com a sorte.
«Ficou com um problema no fígado depois da quimio? Ha quem não fique.» «Fez um seroma? Pode acontecer a qualquer uma que tire grande massa, mama e gânglios.» «Fez encapsulamento da prótese, linfedema, queimaduras? São consequências possiveis da rádio, não se pode prever.» «Engordou 20 quilos com o Tamoxifen? Há quem não engorde... E teve de fazer várias raspagens ao útero? Bom há mulheres que só têm afrontamentos e perda da libido, nunca se sabe como cada uma reage. Foi azar.»
Para um protocolo de tratamentos baseados na ciência, este (quimio/cirurgia/radioterapia/terapia anti-hormonal) deixa muito à sorte.... 


Não seria óptimo que com um dossier de informação clínica com os antecedentes do paciente o médico dissesse: «no seu caso que tem artroses, o problema pode agravar-se» ou «tem níveis de açucar altos vai engordar» ou «tem tendência para miomas e fibroses pode fazer encapsulamento da prótese mais facilmente». Seria óptimo que nos dessem as probabilidades de ganharmos ou perdermos. Que nos preparassem para a quase inevitável perda de qualidade de vida que o tratamento clássico implica. Para perder na lotaria.
Por onde anda a ciência quando é necessária? Porque não encontraram ainda um método pré-cirúrgico de saber quais os gânglios afectados poupando assim os restantes, evitando um esvaziamento axilar com o consequente linfedema para tantas? Porque não criaram um medicamento que substitua o Tamoxifen, destruidor de vidas e lares, introduzido no mercado em 1978, velho papão com barbas. Talvez porque este tipo de pesquisa não interessa à Big Pharma que financia muita da investigação. Aos laboratórios não interessa que eu fique com mais ou menos gânglios - se fizer linfedema mais medicamentos vou gastar, de mais cuidados médicos vou precisar. Quanto ao Tamoxifen, gera milhões - porquê matar a galinha dos ovos de ouro introduzindo um medicamento natural baseado na romã ou na amora?
A lotaria do cancro vai continuar com a ciência (apoiada nos laboratórios) a ajudar pouco em aspectos que podia prever.

Recusar tratamento




Não encontro estudos sobre pacientes de cancro da mama que recusaram tratamento ou parte do tratamento. Encontrei, no entanto, um excelente texto de um médico sobre o assunto, publicado originalmente no The Oncologist.
Muitas vezes a desistência deve-se a falta de comunicação com o médico (e eu bem me posso queixar disso: consultas de decisão terapêutica de três minutos em que o paciente nāo tem hipótese de abrir a boca e «seis consultas/seis oncologistas»).
Outras vezes não se trata de uma desistência, é uma decisão informada e consciente. Se analisarmos as estatísticas, a sobrevida não aumenta assim tanto em certos casos e com alguns tratamentos, enquanto os efeitos secundários são arrasadores, muitas vezes permanentes ou até a causa de morte do paciente, por compromisso total do sistema imunitário ou criação de cancros secundários.
Hoje questionei a radioterapia (na realidade ainda nāo decidi se a vou fazer) e o radiologista, no hospital privado pelo qual optei, mostrou-me um estudo que compara a sobrevida de mastectomizadas com um a três gânglios comprometidos (o meu caso) submetidas a tratamento com radiação com outras que não o foram, com algum ganho para as primeiras. Tenho tendência a fazer fibroses portanto, para mim, a radio pode significar linfedema ou encapsulamento da prótese. Mais: a radiação faz com que as células tenham menos capacidade de se regenerarem, de apoptose, após serem irradiadas. Uma certa escola de investigação reflecte negativamente sobre o uso da radiação, uma vez que poderá aumentar a hipótese de metástases.
A quimioterapia, prescrita «Chapa 3», como lhe chamo, para tudo e todas, não é efectiva em muitos casos e apenas contribui para debilitar o sistema imunitário ainda mais. No meu caso a radiologista que me colocou os marcadores tumorais disse que o meu tipo de tumor – polimórfico – não tinha tendência  a diminuir. E realmente pouco diminuiu. Uma vez que o diagnóstico sistémico era negativo, porquê arruinar-me a saúde e colocar-me em menopausa forçada e galopante com todas as consequências para o meu sistema músculo-esquelético e para a minha qualidade de vida em geral? Na altura estava demasiado preocupada com questões profissionais e nem tive disponibilidade para pensar no assunto e estudar uma recusa. E tive receio que os médicos não me operassem se eu recusasse essa fase do tratamento, a quimioterapia….

A maioria dos pacientes deixa-se levar pelo medo e permite que lhe apliquem o "protocolo" (a tal Chapa 3). Personalização? Nenhuma. Nalguns casos o doente nāo é sequer ouvido (quem quis saber dos meus problemas esqueléticos, que dou aulas de ioga e preciso dos músculos a funcionar, que não queria entrar em menopausa?). Compete-nos a nós decidir que tratamento aceitar. Compete ao médico dar-nos toda a informação para que possamos fazer uma escolha.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Maldito seroma



Quatro dias depois da cirurgia e quando só estava em casa há dois dias, tiraram-me os drenos. Desde ai que o maldito seroma não me larga.
A radioterapia deve começar, idealmente, na quinta semana após a cirurgia. Nalguns casos o adiamento pode ir até à oitava semana. No meu caso essa data já passou a 1 de Fevereiro (fui operada a 7 de Dezembro) mas como não me podem fazer os tratamentos de rádio com seroma, a espera continua.
O seroma é líquido linfático  que não é absorvido e se acumula na axila. Quanto maior a massa tirada (como por exemplo na mastectomia radical modificada que é o meu caso) mais probabilidade existe de se desenvolver. Mas nem sempre acontece. Segundo os médicos, a enfermeira que me trata e estudos que li, não existe nada que possa ajudar a prever o seroma a não ser a quantidade de massa tirada (mastectomia e esvaziamento axilar deixam-nos mais perto do prémio nesta lotaria injusta).
Também não há nada para o precaver ou curar: a faixa de elástico por cima do peito nada faz e há estudos que mostram que essa técnica já nem devia ser usada. Uso-a apenas para dar um pouco mais de suporte ao peito quando faço esforços (carregar sacos, estender roupa e fazer outras coisas que sei que não devia fazer) mas quando o seroma é muito só aumenta a dor.
Um médico da urgência disse que em relação ao seroma a única coisa a fazer é pôr a literatura em dia – ficar no sofá a relaxar. Se tivesse seguido o conselho, nestes dois meses já tinha esgotado a Biblioteca Nacional. A enfermeira que me drena o seroma duas ou três vezes por semana diz que ficar quieta é mau – compromete a articulação do ombro e a mobilidade. É das minhas – eu se ficasse quieta com todos os problemas musculo esqueléticos que tenho ficava entrevada, como bem diz o meu osteopata.
Por isso, apesar do seroma, lá vou hoje recomeçar a ir ao ginásio.
E como o seroma passou de 110cc há duas semanas para 60cc ontem e nada é para sempre (nem eu) pode ser que o danado esteja a estrebuchar e me deixe seguir com a minha vida.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O processo de diagnóstico

 
Um belo dia de Maio levantei o braço em frente aos espelho da casa de banho para alcançar uma prateleira e vi algo estranho – faltava-me mama na parte de baixo, tinha uma cova. Na parte de cima, a seguir ao mamilo havia um grande alto. Isto quatro meses depois da miomectomia abdominal e três semanas depois das hormonas receitadas pela ginecologista após miomectomia laparoscópica.
Seguiram-se uns tempos conturbados entre final de semestre numa universidade, no Porto (moro em Lisboa) e as salas de espera do hospital, onde preparava aulas, via trabalhos e testes e planeava exames.
O processo de diagnóstico, efectuado num hospital privado, foi o seguinte:
1 - Mamografia (10-5-16), com BIRADS 2 para a mama esquerda (a malandra, aquela que começou a crescer e estravazar do soutien, aquela que eu pensei que ia dar problemas e não deu) que tinha BIRADS 2 na mamografia feita um ano antes (7-5-15), e BIRADS 4B para a direita (a bonita, a direitinha) que tinha BIRADS 1 nas imagens anteriores. Como um BIRADS 4. pode ou não ser cancro seguiram-se mais exames.
2 - Citologia (17-05-16) Positiva para células neoplásicas – carcinoma.
3- Ressonância magnética (24-5-16). Quistos e nódulo benigno na mama esquerda. Lesão de contorno irregular na região central da mama direita de 5,8x3,5x,5cm. Distância do complexo areolo-mamilar de 1cm com retracção e espessamento mamilar.
4 - Biopsia (27-5-16). Carcinoma lobular, pleomórfico, grau III. Análise positiva em 95% dos núcleos tomurais para os receptores de estrogénio e em 5% para os de progesterona. Índice de proliferação (Ki67):14.5%. Imonureactividade para o C-ERB-B2: score1+ (negativa). Classificação patológica B5 (ver post sobre como ler a biopsia).
5 - Gânglio sentinela (7-6-16). Numa cirúrgia com anestesia geral foi retirado um gânglio linfático da axila direita (identificado no dia anterior através de injecção de coloídes); confirmou-se metástase de carcinoma.
Foram também efectuados outros exames para verificar se havia metástases: cintigrafia óssea, raio-x ao tórax, ecografia abdominal (fígado, pâncreas, vesícula) e da axila direita, que nada de mal revelaram.
Faltou verificar o cérebro e ainda gostava de o fazer.